quinta-feira, 19 de julho de 2012

A ligação Magé x Visconde de Itaboraí: Andar na linha nem sempre é tão fácil assim…


   Talvez a expedição mais difícil feita por mim até hoje.
   Debaixo de um dia nublado, mas sem expectativa de chuva, segue o grupo de expedicionários atrás de uma Estação/Parada até então pouco falada no meio de pesquisas ferroviárias: Sernambitiba. Como não sabíamos absolutamente nada sobre a mesma, teríamos que ficar atentos a todos os detalhes possíveis para a resolução desse assunto.
   Bom, na verdade essa ligação começa na estação de Saracuruna e é documentada como cheia de entraves para a sua conclusão, que teve início em 1890 e só foi concluída em 1926. Entregue o trecho, este possibilitou que os trens da Leopoldina saíssem do Rio de Janeiro e seguissem direto para Campos e Vitória, já no Espírito Santo. Trocando em miúdos, essa ligação foi a que concluiu o trecho que contorna a Baía de Guanabara.

   Voltando ao assunto, iniciados os trabalhos na estação de Magé, lá fomos nós para a travessia. Acompanhando sempre o leito, dividimos nossas atenções para possíveis descobertas e belas paisagens. O traçado é desenvolvido por enormes retas, o que leva a crer que os trens desenvolviam altas velocidades ali. A sensação de que cada reta levava uma eternidade para acabar era real. Andar no lastro, alternando com pulos entre os dormentes, é uma coisa muito cansativa. Parece ser fácil. Só parece mesmo. Literalmente, não é fácil andar na linha.
Expedição 13-03-2011 062 Reta a perder de vista.
   O mato nos trilhos denuncia que fazia muito tempo que não corria um trem ali. Lembrando que essa linha está sob concessão da FCA, que me parece não ter interesse nenhum em alguns trechos sob sua responsabilidade. Somando isso ao fato de uma fiscalização nula, temos como resultado final o abandono. Até pequenas árvores já cresceram entre os trilhos.
Expedição 13-03-2011 056 Arvore crescendo no meio dos trilhos.
   Passadas algumas horas, chegamos na entrada de Guapimirim, município da região metropolitana do Rio de Janeiro. Um alívio para as pernas e uma generosa pausa para uma água. Conversando com o dono do bar e alguns frequentadores do mesmo, nos foi dito que a Parada Sernambitiba era exatamente ao lado da avenida de entrada do município. Mistério descoberto.
Expedição 13-03-2011 021
Expedição 13-03-2011 025A parada Sernambitiba ficava nesse ponto. Mais a frente, ao lado da edificação de dois andares do outro lado da rua, tinha um ramal. Não lembro exatamente pra que, mas acho que era de uma fazenda para pegar gado. (Informação a confirmar)
   O dono do bar não soube nos dizer quando a Parada foi demolida, o que nos levou a crer que foi num passado bem distante, até mesmo pelo fato dela constar em poucos mapas. O mais engraçados são as pessoas achando que trabalhamos na ferrovia. Tem gente que opina, que torce pela volta do trem… Mal sabem eles que somos meros loucos ferroviaristas.
   A partida para a Estação Visconde de Itaboraí foi gratificante, face a descoberta feita. Mas ainda teríamos muitos obstáculos pela frente. E que obstáculos. Além do fato do cansaço por andar sempre no lastro, alternando com as passadas entre os dormentes, a vegetação em alguns pontos era mais alta do que nós, o que acarretava em arranhões e até espinhos. Volta e meia aparecia um pontilhão no caminho – eu perdi as contas, mas foram pelo menos uns doze – com muitos mosquitos e marimbondos. Atravessa-los era o mais fácil, difícil era desviar dos ataques dos moradores voadores. Mas quem disse que a vida é fácil?
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   Eu procurava esquecer que faltava muito. A todo momento ameaçava cair chuva, mas acabava por ficar mais abafado. Eu rezava para São Pedro mandar um pouco d’água, mas ele não estava muito disposto a me ouvir. Por mais preparado que estava, naquele dia faltou alguma coisa. Até hoje não sei o que que foi, mas me sentia totalmente consumido pelo cansaço. Mas não podia parar por ali, afinal de contas o fim de cada expedição revela sempre uma coisa nova. Isso não me dava forças, mas ajudava a seguir em frente.
   Sempre tive medo de altura, se eu soubesse o que me esperava, certamente não teria ido. Depois de mais alguns quilômetros, eis que surge uma ponte de mais ou menos uns 350 metros para transpormos. E as opções eram: pelos trilhos ou pelos dormentes. Eu lembrei do dia que caí de uma escada alta e aquilo era muito pra mim, mas fui tomado por uma sensação estranha, a adrenalina subiu de tal forma que, na metade da ponte, lá estava eu parado tirando fotos. Venci o medo e me senti com um pouco mais de disposição.
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   Passada essa grande ponte, alguns quilômetros mais a frente teríamos outra parecida com essa. Eu já estava voltando a apresentar os sinais de cansaço, mas não podia desistir. A segunda ponte apresenta um grau de dificuldade maior, pois na primeira parte dela não existiam mais os trilhos laterais que tanto nos ajudaram na primeira. É, definitivamente meu medo iria para o espaço mesmo. E foi.
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   Descansamos mais um pouco e seguimos. Eu pensava assim a cada passo que dava: “Agora falta menos do que faltava.” De fato esse pensamento me ajudou, pois ainda faltava um bom pedaço. Estávamos andando faziam horas sem sinal de ninguém e aos poucos começamos a avistar ao longe algumas casas. Seguimos em frente e nos deparamos com o leito cercado. Colocaram uma cerca para criação de gado! Pulamos a cerca sob os olhares nada amistosos dos gados que estavam pastando. Um dos colegas falou que era para evitarmos contato visual direto com os animais. Como um acidente naquela altura do campeonato não estava nos meus planos, segui a risca o que ele falou. Mas eram muitos gados. Num dado momento, um deles ameaçou um movimento de ataque e esse nosso companheiro se assustou, ameaçou correr e escorregou. Esqueci que estava cansado, que estava cercado de bois e comecei a rir. Todos riram muito dessa situação, lembrada até hoje em nossos encontros.
   Passada a parte engraçada, mas com risadas aparecendo do nada por causa da situação, encontramos um prédio dos Correios próximo a linha. Aparentava estar inoperante a muito tempo.
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   Passamos pelo entroncamento com a linha vindo de Niterói e entramos no pátio da Estação Visconde de Itaboraí. O movimento de outrora deu lugar ao abandono, o mato e o lixo. Cenário muito triste.
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   A estação é muito bonita, seu pátio tem um tamanho considerável. O abandono é de fazer entristecer o coração. Sempre que penso que temos tudo para termos transporte decente e vejo essas coisas, fico com a impressão de que a “cagada” dos nossos governantes com a ferrovia foi maior do que podemos imaginar. Temos engarrafamentos e mais engarrafamentos e uma malha ferroviária pra lá de subutilizada que era para ser usada e está minguando.
Expedição 13-03-2011 100A bela Visconde de Itaboraí.
Expedição 13-03-2011 102Uma visão mais ampla do pátio.
Expedição 13-03-2011 093A torre de observação.
Expedição 13-03-2011 099 Documento de liberação de um trem, achado na torre.
   Missão mais do que cumprida, era hora de nos despedirmos da bela estação. Era chegada a hora de encarar a volta e torcer para chegar logo em casa. Só queria minha cama, mas a experiência dessa expedição valeu muito a pena. As descobertas compensam o cansaço e o incômodo. Até hoje lembro desse dia, mas tenho certeza que acabarei fazendo esse percurso novamente.
Até a próxima.