quinta-feira, 4 de abril de 2013
Os mistérios da Estrada de Ferro Rio d’Ouro: De Cava até Tinguá, o antigo Ramal de Iguassú.
Pense em lugares bucólicos nos dias de hoje? Alguns conhecem muitos e muitos conhecem alguns. Pois é, em paisagens bucólicas em plena Baixada Fluminense nos dias atuais, ainda existem pessoas que sentem falta de levar suas colheitas para a Capital Fluminense para garantir o sustento de suas famílias. Até início dos ano 70 isso era possível graças ao trem, hoje… Não mais! Entre belas paisagens, depoimentos de antigos moradores, abandono de nossas autoridades, coragem para encarar o desconhecido e sempre caminhando ao lado de adutoras e ruínas seculares, lá fomos nós percorrermos parte da história esquecida de nosso Estado. Lá fui eu conhecer um pouco mais da Rio d’Ouro.
Estação Cava: Início da expedição. Foto cedida por Eduardo P. Moreira, o Dado Dj.
Demos início a expedição por Vila de Cava. Lá, a estação está em petição de miséria. Caindo aos pedaços. Algumas pessoas residem na antiga estação e acredito que por isso a mesma ainda esteja de pé. Mas não deixa de ser alarmante a situação de risco que essas pessoas correm, pois o prédio pode desabar a qualquer momento. Vemos um pedaço de nossa história se desfazendo aos poucos e a omissão do poder público com isso é um fato desanimador. Lá foram colhidas muitas informações e as fotos estão fazendo muito “barulho” entre entidades preservacionistas. Tomara que saia coisa boa daí.
Torre hexagonal que marcava entroncamento de ramais da Rio d’Ouro.
Cava fica para trás e fomos em busca dos vestígios do Ramal de Iguassú (com dois “s” mesmo), popularmente conhecido como Ramal de Tinguá, pois era seu destino final. E a distância era grande. Pernas pra que te quero!
Detalhe para o tamanho do registro.
As adutoras que ajudaram no abastecimento da Capital, principal motivo para a construção da ferrovia, seguem paralelamente todo o leito. Suas construções seculares e seus imensos registros nos mostram bem o quanto as coisas eram bem feitas em tempos remotos. Ainda hoje as águas seguem para a capital, mas não são mais a principal fonte de abastecimento.
Após algum tempo de caminhada, chegamos no lugar onde ficava a estação São Bernardino. Um descampado que não aparenta ter passado ferrovia, pois nada sobrou ali. Nada! Um lugar esmo, acho que essa é a melhor descrição. A única coisa que denuncia que houve uma estação ali - além da quilometragem – são os relatos dos moradores antigos e o caminho para a Fazenda São Bernardino, com suas lindas palmeiras imperiais.
Por aqui ficava a estação São Bernardino.
Corredor de palmeiras imperiais que levam a sede da Fazenda São Bernardino.
Corredor de palmeiras imperiais que levam a sede da Fazenda São Bernardino.
Casarão da Fazenda São Bernardino
O casarão da Fazenda São Bernardino sofreu um incêndio criminoso anos atrás e, segundo moradores, antes disso ter ocorrido ainda tinha muita coisa em seu interior. Mais uma parte da história que se vai sem nenhum órgão público agir para que o passado não se apague. Registro feito. Vamos em frente.
Chegamos onde, segundo moradores, ficava a parada Iguassú. Nenhum vestígio aparente, somente o que parece ser uma fábrica abandonada.
Por aqui, segundo moradores e a quilometragem da ferrovia, ficava a parada Iguassú.
Sol escaldante em cima e continuamos nossa jornada. Uma breve parada para comprarmos água e respirarmos um pouco e fomos em frente. Conversando com moradores, vimos o quanto muitos deles ainda sentem a falta do trem. “E se o trem voltasse?” sempre perguntávamos. A resposta era sempre a mesma: “Seria uma boa”. Sempre muito solícitos, eles que iam indicando os pontos de maior interesse nosso, que eram as paradas e estações. Nos indicaram uma parada à frente, onde existe um coreto como ponto de referência. Mas que parada seria essa? Pela quilometragem que temos, não existiu nada onde nos indicaram.
Local indicado por moradores como tendo existido uma parada/estação. Mas qual?
Muita lama em alguns pontos e muita disposição para seguirmos. Nossa expedição seguia e quando eu olhava para trás, lembrava dos relatos dos moradores e sentia uma ponta de inveja deles. Inveja sadia. Poderíamos estar no trem, mas esse caiu no esquecimento de nossos representantes políticos antigos e ainda cai com os atuais. Trechos lindos, que poderiam ser explorados comercialmente. Existe um grande preconceito com a Baixada Fluminense, mas afirmo aqui: ela é linda!
A surpresa maior foi encontrarmos dormentes e cravos de fixação. Um achado muito bacana, pois mostra que a ferrovia resiste ao tempo, mesmo que suprimida por interesses escusos. Arqueologia ferroviária e um belo presente aos expedicionários. Pode parecer bobagem para quem não gosta, mas esses achados são um pedaço de nossa história. História essa que poucos conhecem, mas que fazemos questão de contar e não deixar cair no esquecimento.
Seguimos em frente rumo ao local onde, segundo a quilometragem a partir de Cava, ficava a parada/estação Barreira. Vou ficar devendo fotos do local, pois paramos para debater algo e no calor da coisa acabei esquecendo das fotos. Mas, um pouco antes, uma elevatória com um nome sugestivo: Parada nº2. Eu acredito que ali tenha existido uma das muitas paradas não oficiais da antiga ferrovia e que servia única e exclusivamente para o serviço de distribuição de águas.
Faltava mais um pouco para chegarmos em Tinguá e acabei virando criança nesse momento. Paramos num bar que estava fechado e tinha um senhor chuveiro na frente. Tirei a camisa, o tênis e a carteira e fiquei ali me revigorando na água gelada. Nada mais justo depois de mais ou menos 10 quilômetros de caminhada. Ao lado tem uma ponte ferroviária. Eu estava me banhando no lugar certo.
A estação de Tinguá estava cada vez mais perto. A sensação de dever cumprido ia tomando conta da gente. Felicidade pura. Só quem vai à campo conhece esse sentimento. Deu tudo certo! Ainda encontramos um senhor, cujo apelido era “Cara Feia”, e ele revelou algumas coisas com um certo ar de emoção e nostalgia. Para falar a verdade, naquele momento nem prestei muita atenção ao que ele falava. Estava viajando com as histórias dele. Ainda bem que temos o vídeo gravado, pois o relato foi muito bacana.
A chegada no centro de Tinguá.
Leito do antigo ramal de Bacurubá. Mais um mistério da Rio d’Ouro.
O centro de Tinguá estava na nossa frente. Eu sempre quis conhecer esse lugar. Sempre imaginei o pátio ferroviário que existia ali, com a caixa d’água que alimentava as vaporosas em pleno funcionamento. A caixa d’água continua lá, no mesmo local e no meio da avenida. Fiquei admirando aquilo tudo. No lado direito de quem chega ali existe uma rua que um dia também foi um ramal da Rio d’Ouro: o ramal de Bacurubá. Esse será explorado futuramente, mas aproveitei para pedir licença a ferrovia para que ela nos revele mais coisas na expedição futura. Só então fui à estação. Ver a estação de pé e com uso decente também é confortante. Mesmo com um “puxadinho”, não perdeu seu charme. O cansaço deu lugar a alegria e estar ali, de frente aquela senhora secular, acabou por completar meu domingo. Realizei um sonho antigo, me senti agraciado.
Um desenho da estação no muro ao lado da mesma.
O “puxadinho”, onde está a pequena janela. Não destoou muito, mas, aos olhos de quem conhece, é uma descaracterização.
Fim de jornada. Um trem que deixou muitas saudades para os antigos. Um trem que passou mas não foi esquecido. E que, quase 50 anos após sua desativação, ainda é fonte de admiração. As vaporosas ainda fazem barulho na cabeça de muita gente. O apito, a lenha queimando, o vapor… Lá vai o trem! Muito obrigado Rio d’Ouro.
Até a próxima.