segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

O retorno à Miguel Pereira - O trecho entre Governador Portela x (quase) Arcádia

   Mais uma grande expedição realizada. Dessas que carregaremos lembranças para o resto da vida. Voltar à Miguel Pereira para fazer mais um trecho da Linha Auxiliar já valeria o deslocamento, mas foi o fato de conhecer pessoalmente o grande mestre Luís Otávio que agigantou brilhantemente o dia. Uma aula de história ferroviária marcou o início da expedição. Iríamos começar na estação de Governador Portela, mas seguimos à estação Miguel Pereira para fazermos o trecho de aproximadamente 5 km em que o auto de linha percorre bravamente a linha de uma parte da história de nosso país que foi criminosamente roubada de nós. Nesse auto de linha acontecia um encontro de gerações, onde ficou visível que a luta continuará, preservaremos sim a memória ferroviária. Nunca 5km passaram tão rápidos.
De Miguel Pereira até Governador Portela a bordo do auto de linha, era impossível não imaginar os tempos áureos da Linha Auxiliar. Fica aqui meus agradecimentos ao mestre Luís Otávio, ao grande Edson Vander Teixeira e ao bravo Adail, membros da AFPF, que deram um toque de experiência e aulas sobre a linha.

DSC00837Uma aula com o mestre Luís Otávio

   Iniciando a expedição propriamente dita, começamos os trabalhos na estação Governador Portela, tendo o destino final a estação Arcádia. Seriam quase 20 km de “volta no tempo”, sem saber o que esperar pela frente e sem saber o que achar, pois já fazem praticamente 20 anos que o trecho está abandonado. Criminosamente abandonado, para ser mais claro. A expedição se deu na ordem das estações: Governador Portela - Francisco Fragoso - Viaduto Paulo de Frontin - Vera Cruz - Monte Líbano - Engenheiro Adel - Arcádia. Vamos em frente.

   Nos arredores da estação Governador Portela se tem a clara percepção da importância que o lugar teve para a ferrovia. Lá existiam oficinas de reparo, galpões para locomotivas e um triângulo de reversão. Cabe ressaltar que de lá também saia o Ramal de Jacutinga.

DSC00846Estação Governador Portela.

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DSC00848Leito sentido Francisco Fragoso.

   Governador Portela vai deixando aquela vontade de voltar a cada passo que se dá em direção ao próximo destino: Francisco Fragoso. Consta que ela foi demolida em 2000 para a construção de uma estação de tratamento da CEDAE (Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Estado do Rio de Janeiro).

DSC00850Poste telegráfico e o leito.

DSC00851Os trilhos parcialmente cobertos no leito

   O leito virou rua no sentido Francisco Fragoso, mas os trilhos ainda estão lá como que esperando o trem passar. Houve muita subtração de trilhos, mas em muitos lugares eles ainda persistem em não deixar os áureos tempos cair no esquecimento.

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   O ar puro de Miguel Pereira, aliado as belas paisagens, proporciona um bem estar incrível, uma sensação de paz interior toma conta da pessoa. Andar nos trilhos da história, trilhando e desbravando locais pouco acessados pelo “bicho homem” faz muito, mas muito bem.

DSC00858Uma nascente no leito: pausa para abastecer as provisões de água.

   Após um trecho de mata, chegamos num ponto onde descortina-se uma bela paisagem da Serra do Couto. Mas o cartão de visitas é uma cerca. O povo adora se apropriar indevidamente de terrenos da União. A vista é maravilhosa, o tempo passa a ser vilão nesses momentos, pois as horas acabam por passar rápido demais.

DSC00860Leito cercado: propriedade “particular”

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DSC00871Um corte no leito.

   Chegando em Francisco Fragoso fizemos uma pausa para hidratação e um breve descanso. Da antiga estação realmente não sobrou nada. Aos olhos de todos, só batendo a quilometragem mesmo e perguntando sobre a mesma. Aos nossos olhos, desgosto e tristeza. Nada restou. Nada mesmo.

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DSC00876Mais a frente ficava a antiga estação Francisco Fragoso.

DSC00879Aqui ficava a estação Francisco Fragoso.

   Depois de um desprazer desses, só no restava mesmo seguir em frente. O sol - ora escondido pelas nuvens, ora implacável em nossas cabeças - nos acompanha fielmente nesse trecho de serra, mas que não tem mata para nos proporcionar uma sombra. São muitas pausas para fotos, muitas paradas para admirar o meio onde estávamos. Sempre seguimos o leito, em nenhum momento saímos dele. Isso mostra que um pouco de boa vontade, muita visão de futuro e uma boa dose de conhecimento em mobilidade urbana podem trazer o trem de volta. A semente tem que ser plantada e vamos correr atrás disso.

DSC00880Mais um corte no leito, dessa vez na rocha.

DSC00884Sem palavras para essa imagem.

   A próxima estação do trecho é Vera Cruz, mas antes dela ainda teríamos o prazer de conhecer o lendário e secular Viaduto Paulo de Frontin. Eu tinha o sonho de um dia fazer essa travessia. E o momento estava chegando. Em alguns lugares era possível ver, bem ao longe, o gigante de aço.

DSC00888No centro da foto, ao longe, o Viaduto Paulo de Frontin.

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   Chegando ao Viaduto Paulo de Frontin, uma mistura de sentimentos se confundem: excitação, alegria, tristeza, ódio… Mas eu estava ali e precisava aproveitar aquele momento. Tentei entender o porque daquilo e minhas teorias da conspiração se faziam bem presentes em minha mente. Não podemos chamar isso de outra coisa que não seja crime.

DSC00898O viaduto no sentido Vera Cruz.

DSC00899O viaduto no sentido Vera Cruz.

   O vídeo da travessia eu postei anteriormente aqui. Vale a pena ver.

DSC00903O viaduto no sentido Francisco Fragoso.

   Transposto o Viaduto, mais um problema: o leito está cercado. Um desafio a mais para ultrapassarmos. Mas passado esse desencontro, logo chegamos na estação Vera Cruz. A caixa d’água que alimentava as vaporosas denuncia a proximidade da mesma.

DSC00906Caixa d’água da estação Vera Cruz.

DSC00908Estação Vera Cruz.

   A estação não chega a estar descaracterizada. Está habitada e, até certo ponto, conservada. Mas os puxadinhos existentes denunciam que num futuro próximo isso pode se reverter. A pausa nos arredores foi rápida, uma vez que já tínhamos estourado o planejamento do horário proposto para toda a expedição. Fomos a passos largos para encontrar os vestígios da parada Monte Líbano. Sempre seguindo o leito. Um até breve, Vera Cruz. Voltarei.

DSC00910Estação Vera Cruz.

   Sem a paciência habitual para observar os vestígios deixados pelo tempo e abandono da linha, seguimos em frente e algum tempo depois encontramos o que sobrou da parada Monte Líbano: alguns pedaços de concreto e mais nada. Os vestígios estão num estado em que falta pouco para desaparecerem. Não tivemos tempo para chorar o defunto, fomos em busca da parada Engenheiro Adel. Essa parada, em fotos existentes, mostram que o estado é similar a encontrada em Monte Líbano. Vamos atrás.

DSC00912Vestígios da parada Monte Líbano.

DSC00913Vestígios da parada Monte Líbano.

   A paisagem da Serra do Couto em conjunto com o Rio Santana forma essa pintura da foto abaixo. O leito começa a adentrar a mata muito fechada, dando a impressão de que tem muita coisa preservada dentro da mesma. E não era engano. Os trilhos lá estão, como aguardando a liberação do tráfego para os trens seguirem. Olho para o nobre companheiro Edson Vander Teixeira (que chegou a trabalhar na RFFSA e passou pelo trecho ainda operacional) e vejo a emoção de estar ali naquele momento, vendo o passado passando em sua cabeça saudosista e o presente de abandono em seus olhos mareados.

DSC00920Serra do Couto e o rio Santana.

DSC00919Início de trecho de mata fechada.

   Saímos do trecho de mata e onde se pensava ser a parada Engenheiro Adel, constatamos que a quilometragem não batia e que nada ali lembrava uma parada ou estação. As fotos que circulam na internet estão errada. Segundo o Edson Vander Teixeira, o que pode ter existido ali seria um posto telegráfico, de observação… enfim. Nem ele mesmo lembrava, o que leva a crer que foi desativado num passado bem distante. Para coroar a dificuldade que passamos na mata, fomos premiados com um belo mirante natural.

2013-09-22 16.58.26Aqui se pensava ser a parada Engenheiro Adel. Em fotos na internet a parada é atribuída a esse local.

2013-09-22 17.00.13Um belo mirante natural. Que vista!

   Mais à frente adentramos mais um trecho de mata fechada. Nesse trecho, encontramos alguns deslizamentos de terra. Consta na história que os deslizamentos eram muito comuns no trecho e dado o tempo de inatividade da linha, meio que isso nos assustou. Nada que justifique seu abandono, mas uma coisa séria a ser pensada na tão sonhada reativação desse trecho.
   A bateria da minha câmera e do meu celular estavam no fim e dentro da mata encontramos uma caixa d’água. Mas o que faria uma caixa d’água ali no meio do nada? A resposta viria metros adiante: a verdadeira parada Engenheiro Adel. Lá estava ela, frente a frente conosco. O espanto de alguns contrastavam com a surpresa de outros: achamos! E um achado como esses não apenas alegra, como reforça que a busca pelo desconhecido, pelo abandonado, pelo largado, pelo esquecido, recompensa aos pesquisadores. Eu poderia ficar ali o tempo que fosse, mas o sol já estava se pondo e ainda tínhamos alguns quilômetros até Arcádia, o ponto final de nossa expedição.

2013-09-22 17.23.53A verdadeira parada Engenheiro Adel.

   Saímos em disparada, mas a noite queria cair de forma bem rápida. Algumas centenas de metros depois de Engenheiro Adel, fomos forçados a sair do leito e seguir por uma estrada de terra batida margeando o Rio Santana. Foi a melhor escolha a ser feita. A noite caiu, tal qual a escuridão imposta a Linha Auxiliar. Ainda tivemos tempo de ver uma ponte no leito ao longe, e nada mais. Andamos por quase uma hora pela estrada e chegamos em Arcádia. Não na estação, como queríamos, mas em uma parada obrigatória para os viajantes, onde comemos e descansamos com um bom papo, traçando planos para a volta e a conclusão do trecho que ficou faltando. Que expedição! Foram 20km que revigoraram meu fim de ano.

   Meus sinceros agradecimentos à equipe da AFPF, ao meu povo do Trilhos do Rio e a Linha Auxiliar nesse magnífico trecho. Ficou a saudade e a vontade de um quero mais, que logo logo se repetirá.

   Até a próxima.